Neste mês de setembro, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº1235350, com repercussão geral (Tema 1068), firmou jurisprudência que autoriza a execução imediata da decisão do Tribunal do Júri, pouco importando a quantidade de pena fixada pelo Conselho de Sentença.
O caso concreto levado a julgamento na Suprema Corte representava um feminicídio, onde o autor dos fatos havia sido condenado ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade consistente em vinte e seis anos e oito meses de reclusão em regime inicial fechado, porém com o direito de recorrer em liberdade.
O julgamento pelo STF autorizou o cumprimento imediato da pena porque nele se entendeu, por maioria de votos, que a decisão do Tribunal do Júri é soberana, e por esta razão, deveria se sobrepor à presunção de inocência do condenado.
A polêmica que envolve a execução provisória de condenações não é nova no País. Neste sentido, vale lembrar que o art. 594 do CPP, (revogado pela Lei n.º 11.719 /2008) dispunha que “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto“. No mesmo sentido, tínhamos o art. 9º da Lei nº 9.034/95 (organizações criminosas), bem como o art. 2º, § 2º da Lei nº 8.072/90 (crimes hediondos), além do art. 3º da Lei nº 9.613/98 (lavagem de capitais).
Recentemente, a Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime) fez inserir no CPP a disposição de que A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo (art. 492, § 4º). Contudo, vale destacar que a inovação legislativa nasceu em absoluta contradição daquilo que a mesma Lei também fez inserir no art. 283 do CPP: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre apresentou avanços e retrocessos daquilo que se refere a possibilidade da execução provisória da pena. No julgamento da Reclamação 2.291/PR (2003), de relatoria do Ministro Cezar Peluso, ainda que tenha ocorrido a perda do objeto da ação, já havia sinalização da concessão do Habeas Corpus de ofício para reconhecer a inconstitucionalidade do art. 9º da Lei 9.034/95 e a necessidade de interpretação conforme a Constituição do art. 2º, § 2º da Lei nº 8.072/90, bem como do art. 3º da Lei nº 9.613/98, para condicionar a liberdade à presença dos requisitos da prisão cautelar.
Em período mais recente, o STF passou a apresentar oscilações de entendimento, inclusive com as primeiras decisões a respeito da execução provisória da condenação pelo Tribunal do Júri. No ano de 2009, por meio do julgamento do Habeas Corpus nº 84.078, de relatoria do Ministro Eros Grau, se registrou a impossibilidade da execução da pena antes do trânsito em julgado. Posteriormente, em 2016, por meio do julgamento do Habeas Corpus nº 126.292, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, a execução da pena passou a ser admitida a partir da confirmação da decisão em segunda instância, haja vista que os recursos aos Tribunais Superiores (Especial e Extraordinário) não detêm efeito suspensivo. Neste período, a Primeira Turma já havia registrado precedentes nos Habeas Corpus nº 118.770/SP e nº140.449/RJ, ambos de relatoria do Ministro Roberto Barroso, para se autorizar a execução provisória das decisões do Tribunal do Júri. Ocorre que em 2019, a Suprema Corte volta a adotar o entendimento da necessidade do trânsito em julgado da sentença para a execução da pena, no julgamento das ADC’s 43, 44 e 54, todas de relatoria do Ministro Marco Aurelio Mello.
Mas voltando à decisão do RE nº 1235350 (Tema 1068), percebe-se que a decisão do STF se deu sem o menor compromisso com a Constituição Federal. A autorização para a imediata execução da pena se equivoca da necessidade na realização do juízo de ponderação entre a soberania daquelas decisões e a presunção de inocência, conquanto não existe qualquer colisão de interesses envolvidos. Afinal, o respeito da decisão tomada pelo corpo de jurados não significa, necessariamente, a sua imediata execução, até porque ainda estará sujeita a juízo rescisório em sede de duplo grau de jurisdição. Igualmente, abre-se um perigoso e equivocado precedente quando autoriza a ponderação dos bens jurídicos envolvidos para justificar a decisão.
Feitas estas considerações, chega-se à conclusão que o Tema 1068 implica em retrocesso inexplicável, e sem qualquer critério legítimo de distinção no tratamento do postulado universal da presunção de inocência n jurisprudência do STF, em evidente adoção da política do populismo penal.