Recentes levantamentos a respeito do aumento de denuncias sobre práticas assediadoras no ambiente laboral despertam atenção e preocupação. Isso porque, não raramente, percebe-se equivocos (ou senão desídia) na interpretação e aplicação da legislação penal.
O crime de assédio sexual tem a sua previsão no art. 216 – A, do Código Penal, o qual descreve ser o ato de “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001). (…)Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)”
Algumas considerações do que consta nesta tipificação são necessárias para esclarecer a sua abrangência.
Primeiro, o legislador se utilizou de verbo inadequado para descrever a conduta típica: o “constranger”. Melhor atenderia a pretensão punitiva se fosse utilizado o verbo “chantagear”, numa conotação de chantagem sexual.
A doutrina não é clara a respeito do sentido do verbo “constranger.” CEZAR ROBERTO BITENCOURT define o sentido da expressão como sendo “embaraçar, acanhar, criar uma situação ou posição constrangedora para a vítima”. Por sua vez, ROGÉRIO SANCHES CUNHA interpreta a conduta como sendo uma “insistência importuna”. Esta imprecisão terminológica acaba por ocasionar interpretações equivocadas pela Justiça.
Segundo, não se trata de um crime caracterizado pelo gênero (sexo do autor e da vítima). O legislador descreveu a conduta como ato de constranger “alguém”. Logo assim, é um delito que pode ser praticado de homem contra a mulher, de mulher contra o homem, e até entre pessoas do mesmo sexo.
Terceiro, essa espécie de crime requer a utilização da circunstância de sobreposição do autor(a) sobre a vítima, em decorrência de hierarquia ou ascendência, num contexto de emprego, cargo ou função (seara privada ou pública). Neste sentido, a agressão à liberdade sexual da vítima deve estar, necessariamente, relacionada ao ambiente de trabalho ou de exercício de alguma função.
Quarto, o constrangimento praticado pelo autor(a) deve ter uma finalidade específica: a prática sexual. Isso quer dizer que o autor(a) precisa se prevalecer da posição de hierarquia ou ascendência contra a vítima, num contexto de relação de emprego, cargo ou função, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Sendo assim, ainda que ocorra um constrangimento praticado pelo autor, se o móvel não for a finalidade sexual, não haverá o crime de assédio.
Quinto, a lei exige uma situação de sobreposição do autor(a) sobre a vítima, podendo decorrer de hierarquia ou ascendência para a tipificação da conduta. Na primeira hipótese – a hierarquia – ocorre por representação de ordens, punições, concessões de privilégios etc -, as quais podem se dar no âmbito privado (ex. relação de emprego), como naquele público (ex. militarismo). Na segunda hipótese – a ascendência – o critério definidor é tão somente uma circunstância de domínio, respeitabilidade ou temor referencial (ex. professor, líder religioso etc.).
Sexto, o crime de assédio sexual deve representar uma importunação séria, grave e de cunho chantagista por parte do autor(a), caracterizada por uma ameaça, ainda que implícita, da imposição de dano ou prejuízo de natureza funcional ou trabalhista à vítima.
Como exemplos de condutas de assédio sexual, tem-se: 1) o superior hierárquico que condiciona a permanência da vítima no emprego mediante a aceitação de relação sexual; 2) o professor(a) que condiciona aprovação de aluno(a) mediante encontro para relação sexual; 3) abordagens chantagistas, com apelo sexual, praticadas contra diaristas etc.
Algumas outras condutas, ainda que costumeiramente aceitas pela Justiça pela inconveniência ou apelo sexual, não tipificam o assédio. Cita-se, como exemplo: 1) a importunação praticada por colega de trabalho, sem qualquer relação de efetiva hierarquia; 2) Professor(a) apaixonado(a), com pretensão de relacionamento duradouro com a(o) aluna(o); 3) superior hierárquico, que tenta tocar, agarrar ou beijar à força a vítima, sem qualquer chantagem ou que venha se prevalecer da sobreposição trabalhista/funcional; 4) o e flert no ambiente laboral etc.
Sétimo, o crime de assédio é tem natureza formal, quando para a sua ocorrência basta o constrangimento praticado pelo autor(a), pouco importando se logrou êxito no favorecimento sexual pretendido contra vítima.
Oitavo, há importante discussão na doutrina a respeito do momento da consumação do crime. Uma primeira corrente entende que para a consumação do crime basta a prática de uma única conduta (FERNANDO CAPEZ). De outro modo, para uma segunda corrente (RODOLFO PAMPLONA FILHO), é necessária a prática reiterada da importunação, o que afastaria a possibilidade do crime tentado.
Por derradeiro, vale esclarecer que muito embora a pena atribuída pela prática do crime não seja grave (detenção), a deflagração da ação penal poderá ensejar a perda do emprego, cargo ou função, além da imposição de reparação econômica ao dano causado pelo autor, seja na esfera penal, quanto na cível e trabalhista.
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