Na data de 13.05.203, o Plenário do Supremo Tribunal Federal encerrou julgamento virtual, quando aprovou enunciado de proposta de súmula vinculante (139), com importantes consequências no direito de liberdade de pessoas condenadas pelo crime de tráfico de drogas privilegiado.
Este conteúdo foi elaborado com a pretensão de esclarecer o leitor sobre essa importante decisão, respectivas consequências jurídicas e problemas relacionados a este crime, que mais leva pessoas à prisão no país.
Boa leitura!
O QUE DIZ A LEI SOBRE O TRÁFICO DE DROGAS?
Segundo os dados do INFOPEN, o tráfico de drogas é o crime que mais encarecera pessoas no Brasil. Sua descrição e apenamento estão na Lei 11.343/2006 – a Lei de Drogas – onde o art. 33 “caput” tipifica a conduta como sendo “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:”
Por sua vez, o parágrafo primeiro do citado art. 33 descreve que “Nas mesmas penas incorre quem: I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas e; IV – vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.
As penas atribuídas às condutas acima informadas deverão ser de reclusão, entre 5 (cinco) a 15 (quinze) anos, além do pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Vale ainda esclarecer que o tráfico de drogas é considerado crime equiparado a hediondo pela jurisprudência em razão de interpretação constitucional.
O QUE É O TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO?
Em que prese a gravidade da conduta e consequente apenamento, a Lei de Drogas dispõe em seu art. 33, § 4º a hipótese do “tráfico de drogas privilegiado”, como sendo uma causa especial de diminuição de pena, o qual prevê que “Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.
Cumpre esclarecer que a Lei Anticrime (13.964/2019) alterou a Lei de Execução Penal (art. 112, §5º) para determinar que o tráfico de drogas privilegiado não é crime hediondo ou equiparado.
O QUE DIZ A LEI SOBRE O CUMPRIMENTO DE PENA EM CASO DE CONDENAÇÃO PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS?
O sistema de fixação de pena no caso de tráfico de drogas tem sua previsão no Código Penal e também na Lei de Drogas.
Para a esclarecer a decisão do Supremo Tribunal Federal nos interessa, inicialmente, o que dispõe o art. 59 do Código Penal: O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;”
Igualmente, interessa transcrever o disposto no art. 33, §2º, letra “c” do Código Penal: “As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (…)”. De interesse idêntico, também requer informar o art. 44: “As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente; IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.”
Por fim, a Lei de Drogas também tem disposição sobre o sistema de fixação de pena, o qual determina no art. 42 que “O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.”
O QUE DECIDIU O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O CUMPRIMENTO DE PENA NO CASO DO TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO?
O Supremo Tribunal Federal ao julgar a proposta de súmula vinculante139, aprovou o seguinte enunciado: “É impositiva a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando reconhecida a figura do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06) e ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP), observados os requisitos do art. 33, § 2º, alínea c e do art. 44, ambos do Código Penal.”
QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DA PROPOSTA DE SÚMULA VINCULANTE RELATIVA AO TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO APROVADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL?
Por se tratar de súmula vinculante, agora é regra: todos os juízes e tribunais estão obrigados a fixar o regime aberto, com consequente substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, se preenchidos os requisitos legais.
Decorre deste contexto legislativo que, em se tratando de acusado primário, sem antecedentes criminais, que não se dedique às atividades criminosas como meio de vida, tampouco pertença à organização criminosa (art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006), quando já na primeira fase da fixação de pena, as circunstâncias judiciais ( art. 59 do Código Penal) forem valoradas de maneira favorável ao sentenciado, com a fixação da pena no patamar mínimo em decorrência do sopesamento da culpabilidade, conduta social, personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias do crime, está proibido o encarceramento em virtude de condenação pelo crime de tráfico de drogas na modalidade privilegiada.
6.CONCLUSÃO.
Como visto pela legislação acima informada, o Supremo Tribunal Federal apenas fez valer aquilo que a legislação já prevê de maneira expressa.
A Lei de Drogas não é nova (2006) e na sua exposição de motivos o legislador já declarava a necessidade da diferenciação de tratamento do tráfico ocasional daquele profissional.
As disposições do Código Penal, conforme as transcrições acima citadas, são claras ao determinar que as circunstâncias judiciais do art. 59 são vetores de observância obrigatória para a definição da quantidade e especificação do cumprimento de pena, sempre com a finalidade na busca da necessidade e suficiência da resposta estatal ao crime.
Não de outra forma, o Supremo Tribunal Federal com a aprovação do enunciado vinculante também reforça outras duas importantes súmulas que já traziam regramento específico na fixação da pena. O verbete 718 determina que “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.”. Por sua a vez, o enunciado 719 complementa a orientação ao dispor que “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.”
Contudo, não posso deixar de destacar que o desnecessário encarceramento de pessoas envolvidas no tráfico de drogas no Brasil não decorre somente do desrespeito da regra do sistema trifásico agora previsto em súmula vinculante, mas, principalmente, da recalcitrância de juízes e tribunais em reconhecer a hipótese do tráfico privilegiado em situações caracterizadas pela mera ocasionalidade no comércio clandestino.
Neste sentido, é muito grande a quantidade de pessoas presas no país por meio de decisões assentadas na mera quantidade (geralmente alguns gramas), diversidade e potencialidade da droga apreendida, presunção de traficância profissional sem maiores provas etc.
Disso decorre que, não são raras às vezes, em que Defensores estão obrigados a buscar providências judiciais em favor de condenados nos Tribunais Superiores – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, onde somente nestas instâncias é possível se fazer valer aquilo que expressamente determina a lei.
Por meio deste conteúdo, espero ter contribuído com os amigos no esclarecimento desta importante decisão do Supremo Tribunal Federal, um tema caro a qualquer pessoa: a defesa do estado de liberdade.
Para saber mais sobre decisões a respeito do tráfico de drogas, veja também em https://www.henriquegoncalvessanches.com.br/trafico-de-drogas-15-assuntos-tratados-na-jurisprudencia-que-voce-precisa-conhecer/
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