O encarceramento preventivo de pessoas nunca deixou de ser ponto sensível no processo penal e, por isso, requer do Advogado Criminalista a constante atualização a respeito da orientação jurisprudencial dominante, principalmente das Cortes Superiores.
Com o advento da Lei Anticrime (13.964/2019), importantes alterações legislativas foram incorporadas ao Código de Processo Penal, as quais refletem na jurisprudência, seja para consolidar antigos posicionamentos, seja para alterar outros de relevância.
O atual artigo 312 do Código de Processo Penal passou a determinar que “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.”
O Código também passou a determinar que essa espécie de prisão cautelar “deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.”
Com fundamento no contexto legislativo da prisão preventiva, e sem a pretensão de esgotar o tema, este conteúdo foi escrito com a finalidade de levar ao conhecimento dos interessados, seis recentes decisões de incidência relevante à Advocacia Criminal.
Boa leitura!
1º A decretação de prisão preventiva exige observância e demonstração do perigo causado pela liberdade do acusado.
A orientação jurisprudencial dominante, com apoio na literalidade da legislação , é no sentido de que “A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.”
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus 624.222/SP (fevereiro de 2021), de relatoria do Ministro Antônio Saldanha Palheiro, reconheceu o constrangimento ilegal na liberdade de locomoção do paciente e determinou a sua soltura porque entendeu que naquele caso concreto, o delito atual era de furto de aparelho de telefonia celular, a reincidência era específica, e o antecedente diz respeito a delito de tráfico de drogas cometido em 2013, com a pena já extinta, circunstâncias que justificam, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, onde a prisão foi tida medida desproporcional.
2º A reincidência, por si só, não é fundamento válido para justificar a prisão preventiva.
A Jurisprudência é pacífica no sentido de que a privação antecipada ao trânsito em julgado da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional e cautelar em nosso ordenamento jurídico, podendo ser determinada pelo Poder Judiciário, desde observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade.
Neste sentido, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar monocraticamente o Habeas Corpus nº 759542 – RJ (setembro de 2022), o qual discutia a revogação de prisão preventiva em caso de tráfico de drogas, determinou a soltura do paciente por entender que “embora o decreto mencione que o paciente é reincidente, dado indicativo de aparente reiteração, somente isso não é suficiente para justificar a prisão.”
Ainda destacou que “os elementos concretos do presente caso, à luz do art. 312 do Código de Processo Penal não justificam restrição da liberdade do paciente.”
3º A quantidade de drogas apreendida não é requisito suficiente para justificar a decretação da prisão preventiva.
O Superior Tribunal de Justiça, por meio da Sexta Turma, julgou recentemente (setembro de 2022) o agravo regimental no Habeas Corpus nº 752056 – GO, de Relatoria do Ministro Olindo Menezes, onde determinou a soltura de paciente acusado de tráfico de drogas por entender que “A prisão preventiva baseada tão somente na quantidade de droga apreendida (311 kg de cocaína), elementar do tipo penal, não é suficiente para ensejar a segregação cautelar, se não houver a demonstração de forma objetiva de que o paciente, primário, se dedique à prática criminosa.”
Na sequência, ainda evidenciou que “Sem embargo de a quantidade de droga apreendida ser expressiva, não se verifica nenhum outro elemento no caso concreto que justifique a prisão, o que evidencia a ausência de fundamentos válidos para o decreto prisional”.
4º É vedada a decretação da prisão preventiva pelo Poder Judiciário, quando não há o seu requerimento pelas partes ou Autoridade Policial.
A Ministra Laurita Vaz, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar monocraticamente o Habeas Corpus Nº 700791 – SP (março de 2022), referendou o entendimento predominante nas Cortes Superiores para reconhecer o constrangimento ilegal na liberdade de locomoção de acusado para revogar a prisão preventiva determinada em decisão em recurso de apelação, sem que tivesse ocorrido pedido formulado pela acusação.
Nesta decisão, a Ministra relatora destacou que “Com efeito, a Lei n. 13.964/2019 promoveu diversas modificações no Código de Processo Penal e, dentre elas, insere-se a nova da redação do art. 311 do referido diploma legal, que não mais contempla a previsão de decretação da prisão preventiva de ofício pelo juiz. A nova legislação, portanto, em homenagem ao princípio da inércia jurisdicional e ao sistema acusatório, condiciona o decreto da segregação cautelar à existência de prévio requerimento das partes (Ministério Público, querelante e assistente de acusação) ou representação da autoridade policial.”
5º A decretação de prisão preventiva deve observar o princípio da contemporaneidade.
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido de que “A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP)” ( Habeas Corpus 633.110/MG – Min. Rel. Rogerio Schietti Cruz.
6º A falta de revisão a cada 90 dias da necessidade na manutenção da prisão preventiva não produz o efeito automático da soltura.
O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento no sentido de que “A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo Penal (CPP) não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.” (Suspensão de Liminar 1395 – Rel. Min. Luiz Fux).
Sob outra ótica, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o agravo regimental no Habeas Corpus 708.660/SE, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik (fevereiro de 2022), consolidou o entendimento de que “a revisão da prisão preventiva nonagesimal (art. 316, parágrafo único, do CPP) não exige a invocação de novos elementos que justifiquem a manutenção da custódia cautelar, sendo necessária apenas a persistência dos motivos que ensejaram a sua decretação.”
Por meio deste conteúdo, espero ter contribuído com os amigos na disseminação da jurisprudência atualizada de um tema extremamente caro à Advocacia Criminal – a defesa da liberdade!
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Este post tem 2 comentários
Muito bom caríssimo Doutor, de suma relevância a matéria é muito bem explanada. Obrigada por compartilhar seu conhecimento jurídico!
Obrigado! Continue nos acompanhando!